Cabe
o conhecimento das normas que regem a companhia, para, assim, assegurarem uma
política de governança adequada
Em
recente julgado, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu, por
unanimidade, que o vício de voto, na hipótese de acionista votar nas
deliberações de assembleia-geral de sociedade anônima relativa à aprovação de
suas próprias contas como administrador, conduz à sanção de anulabilidade,
sendo necessária a prévia desconstituição da assembleia para que se autorize a
responsabilização do sócio administrador.
No
caso concreto, os sócios administradores da companhia efetuaram a venda de
propriedade imobiliária e os demais acionistas consideraram que tal venda foi
em prejuízo à sociedade, por existir proposta mais vantajosa.
Nas
vésperas da assembleia para a aprovação das contas, cientes da restrição
prevista no art. 115, § 1º, da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas),
os administradores venderam a sua participação societária para uma empresa da
qual um deles fazia parte, possibilitando que a empresa participasse e votasse
na aprovação das contas.
O
voto da empresa foi determinante na aprovação das contas e fulminou a pretensão
dos demais acionistas em questionar a venda imobiliária por valor inferior ao
preço de mercado.
Em
tal contexto é que foi ajuizada ação de responsabilidade contra os
administradores, buscando o ressarcimento pelos prejuízos causados (pela venda
de imóvel em montante inferior ao seu potencial econômico).
Como
bem estabelecido na Lei das Sociedades Anônimas, em seus artigos 153, 154 e
158, ao administrador cabe: (i) pautar a sua conduta de modo a atingir a
finalidade e os interesses da companhia, em razão das suas atribuições legais e
estatutárias; (ii) agir com diligência, devendo ele zelar pela companhia, com lealdade
e transparência; e (iii) responder pelos prejuízos decorrentes de suas
condutas, seja em casos de ação com intenção de lesar ou quando desrespeitar a
lei ou o estatuto.
O
Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar o caso, entendeu que a deliberação
assemblear seria nula, em razão da participação do acionista administrador, e,
por tal motivo, não se sujeitaria aos prazos extintivos (decadenciais ou
prescricionais), como prevê o art. 169, do Código Civil. Ainda, por considerar
a deliberação nula, entendeu viável o reconhecimento do vício de ofício e,
portanto, a possibilidade de responsabilização dos administradores pelos seus
atos.
Entretanto,
para a 4ª Turma do STJ, o art. 134, §3º, da Lei das S.A., exonera os
administradores da companhia em casos de aprovação das suas contas e, por tal
razão, constitui uma presunção de legitimidade do ato. Por tal razão, entendeu
que o ato assemblear não seria nulo, mas sim anulável.
Em
suma, segundo o ministro relator, a Lei das Sociedades Anônimas deve sobressair
nas relações estipuladas entre os próprios acionistas ou entre acionistas e
companhia, restando ao Código Civil o dever de disciplinar as situações cujos
efeitos atinjam pessoas externas à sociedade.
Decidiu
o STJ, portanto, pela impossibilidade de declarar a nulidade assembleia de
ofício, sendo impossível a responsabilização dos administradores sem a
competente ação anulatória da assembleia.
No
caso concreto, o STJ prestigiou a lei especial, no caso a Lei das Sociedades
Anônimas, específica para o regramento das companhias, com normas que se
sobrepõem às generalidades apresentadas pelo Código Civil.
Conclui-se
que aos operadores do direito cabe a prudência de somente invocar as regras do
Código Civil quando a legislação especial apresentar omissões ou incompletudes.
E
que aos sócios e administradores cabe o conhecimento das normas que regem a
companhia, para, assim, assegurarem uma política de governança adequada à
companhia.
Pedro
Henrique Cordeiro Machado - especialista em Direito Civil e Processo Civil pela
UNICURITIBA, advogado no
escritório Alceu
Machado, Sperb & Bonat Cordeiro Advocacia.
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